Amor e Amargura



O amor não está ausente
Quando meus versos clamam
E reclamam por justiça,
Pois é o coração que atiça
A ternura meio omissa
A provocar a amargura.

É o amor que faz a vida,
A protege e acompanha
E é o amor que a defende
Contra a sanha da crueldade
Que agride a vida e a ofende,
E contra a insanidade
Do desamor humano
Que aflige a vida e a tortura
No abismo das desigualdades.

Este amor eu sinto em mim,
Me envolve, me comove,
Me devolve o amor-próprio,
Me revolve os sentimentos,
Põe alento na amargura
Que se arma dos meus versos
E no reverso da medalha
Se espalha na poesia.

Este amor amargurado,
Desolado, inconformado,
Se reveste e se investe
De combatente guerreiro,
De valente justiceiro
Se opondo por inteiro
À falsa paz de cativeiro,
Ao pão que alimenta
Mas fomenta a dependência,
Ao circo que diverte
Mas perverte a dignidade.

O descaso com milhões
De pessoas indefesas
Que se tornam fáceis presas
Do descalabro humano,
Tão macabro, tão insano,
Faz meu amor chorar a morte,
Mas ele sai da dor mais forte
Para invadir a poesia
Contra tanta heresia.

Não me ufano da amargura,
Mas deste amor sem armadura
Que duela com as palavras
Que se aglutinam, se amotinam,
E quando rimam acusam,
Denunciam, recusam
A verdade camuflada,
As promessas enterradas
Com tantas vidas soterradas,
Tantos corpos nas calçadas
E tantas mãos estendidas.

Se este amor não amasse tanto
A vida e a liberdade
Se limitaria ao pranto,
Não se ouviria seu clamor,
Mas por amá-las tanto
E sofrer com a dor do próximo
Vai à luta e guarda o pranto
E com o manto da amargura
Põe no verso a investidura
Para bradar seu desencanto.


Francisco Simões

 

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