AQUELE OLHAR

 

A distância e o inapelável final não permitiriam mais sequer uma esperança, mas havia alguma coisa naquele último olhar. Alguma coisa de um indecifrável querer dizer, talvez uma mensagem definitiva e definidora das razões e dos conceitos que nos amputaram ao meio. Quase como um gatilho semi-apertado, uma contida cusparada no rosto ou a ameaça de um verdadeiro beijo que jamais trocamos.

 

Por alguns segundos estive perdido na eterna dúvida sobre a cor dos teus olhos. Não era o momento certo, eu sabia, para essas divagações e logo abandonei os olhos e fixei-me novamente no olhar. Terno? Frio? Rancoroso? Ou tudo isso junto? Importantes, no entanto, eram as entrelinhas, o que havia no contido brilho das derradeiras verdades que eu jamais conheceria.

 

Segurei tua mão, estava fria, largada, não participante do desfecho daquilo que havia sido jurado para toda vida. O olhar, porém, mantinha a mesma expressão de pantera ou de gazela, caçador ou caça, que eu não conseguia traduzir. Ora parecia uma súplica, ora um palavrão, em seguida uma ponte, depois um desterro. A própria Esfinge: Decifra-me ou devoro-te!

 

De repente, quebrou-se o feitiço. Um tchau, ao invés de adeus, um sorriso irônico, uma piscadela de pouco caso, vulgarizaram o instante que deveria ser nobre, inapagável. Partimos e ficamos um no outro, iniciando a aventura de sermos metades que nada mais buscavam. O absurdo do encontro predestinado e da perda irreparável já havia ocorrido. Não mais inúteis procuras e impossíveis achados. Sequer em um milhão de anos. Mas aquele olhar... O que não consegui entender e queria dizer-me aquele olhar?

 

 

Alberto Cohen

 

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