Fênix


Foram muitos pedaços arrancados,
com tanto jeito, tanta sutileza,
que não senti a dor dos amputados,
enquanto não fiquei quase sem mim.
Pernas de caminhar foram perdidas,
braços de abraços nunca mais achados
e os olhos, cegos pelos maus-olhados,
tomaram como guia o coração
que dos caminhos todos conhecia,
apenas, o caminho da poesia.
Mas tão pequeno e tão vazio estava
que não havia um verso que aceitasse
aquela microscópica metáfora,
a diminuta sílaba poética
em que o grande poema se tornara.
Olhando o céu com olhos que não viam,
tentando andar com pernas que não tinha
e o coração nas mãos imaginárias,
metamorfoseei-me em passarinho,
em riachos, aragens e sussurros,
e, se não pude estar na minha vida,
peregrinei por muitas outras vidas.
 

Alberto Cohen

 

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